terça-feira, 12 de abril de 2011

Brasil: reprimarização e dependência

De 2004 a 2010 a classe trabalhadora viveu a reconfiguração do mundo do trabalho em que a   indústria perdeu peso e o agronegócio ganhou força

Roberta Traspadini

1.  O Brasil primário exportador do século XXI:
O economista Reinaldo Gonçalves tem sustentado a volta ao passado da política econômica do Governo Lula, quando o Brasil era primário exportador.

Especialização retrógada é o conceito utilizado por ele para mostrar dito retorno à produção primária voltada para fora, centrada especialmente na exportação de bens com baixa tecnologia incorporada.
Para explicar este processo, o professor criou o conceito de vulnerabilidade externa, entendida como a capacidade do país enfrentar com mais êxito, ou não, as pressões internacionais.

Para ele, o período Lula foi marcado por um cenário internacional favorável que permitiu um controle conjuntural da vulnerabilidade, mas estruturalmente não mexeu nas condições internas que permitiriam outra condução no processo de desenvolvimento.

A revista Valor Econômico mostra que de 2004 a 2010, o Brasil viu seu processo industrial, de incorporação tecnológica perder força, enquanto as commodities ganharam.

Neste período, as 5 principais commodities concentraram 43.36% das exportações, enquanto os automóveis tiveram uma queda de 3,5% para 2,2%, a venda de aviões caiu de 3,4% para 2%.

Outro destaque é a composição tecnológica destas commodities. Dos 17 bilhões de dólares exportados de soja, 64,5% foram em grãos e dos 12 bilhões de dólares do açúcar, apenas 29% se refere ao refino.

Quais as implicações desta volta à economia primário-exportadora com baixa incorporação tecnológica?

2.Vulnerabilidade externa, dependência e subordinação
Temos algumas diferenças centrais com os períodos anteriores, dado o prévio impacto no cenário nacional do processo neoliberal vivido no período FHC.

1º: O período neoliberal conformou uma situação no Brasil de privatizações, abertura econômica e mudanças legislativas que fortaleceram, no cenário nacional, a participação do capital internacional.
2º: As terceirizações, com as quebras de contratos e a implementação dos trabalhos temporários - em especial estágios e designações temporárias da educação -, modificaram o padrão de emprego e renda no Brasil e formalizaram a precarização do trabalho como critério fundamental da extração de valor em território nacional.

3º.: A soberania nacional - alimentar, territorial, democrática e popular - foi substituída pela aberta campanha publicitária sobre o Brasil agora na condição de credor do FMI. 4º.: O mercado interno passou a ser o celeiro das novidades internacionais eletro- eletrônicas – cujas sedes principais das marcas industriais estão no G-7 - desde os telefones celulares ate os aparelhos de televisão. Agrega-se a isto o tema da suposta comodidade dos lares, o que nos dá um intenso culto ao consumo, diretamente atrelado ao endividamento das famílias e dos indivíduos.

Estes quatro elementos juntos mostram a acentuação dos vínculos de dependência do País no período Lula às economias centrais, e relatam uma faceta nova da reprimarização da economia brasileira.
A dependência, entendida como vulnerabilidade externa estrutural traz, para a classe trabalhadora brasileira, novos dilemas dos velhos paradigmas da disputa do poder.

Estes dilemas reforçam a lógica de banir do imaginário coletivo brasileiro três questões chaves: a soberania nacional; a democracia participativa, casada com o projeto popular; e, a situação da classe que vive do trabalho, a partir deste processo de reprimarização.

3. Dependência e superexploração:
De 2004 a 2010 a classe trabalhadora viveu a reconfiguração do mundo do trabalho em que a indústria perdeu peso e o agronegócio, de baixa incorporação tecnológica e laboral, ganhou força.

Além disto, a juventude deste período - criança que se desenvolveu nos moldes neoliberais dos anos 90´s - viu a possibilidade de se empregar pela primeira vez como estagiária, cuja aparência de ganho real acima do salário mínimo brasileiro, foi conformando uma nova ideologia do trabalho, avessa ao debate da intensa exploração vivida.

A sociedade do consumo tecnológico e dos ganhos da especulação financeira, associada ao endividamento pessoal sem precedentes na história do mercado interno brasileiro, abriu as portas ao fortalecimento renovado da cultura americana do consumo, do desperdício, da ampliação do desejo mercadológico de criação de necessidades e escolhas externas à realidade concreta destes sujeitos.

Vivemos a volta da reprimirização em plena era de confirmação dos resultados da política neoliberal no continente e no País, cujos efeitos são muito mais perversos do que os da década de 30 e 40.

As cruéis implicações desta política neoliberal combinada com a reprimarização, dizem respeito à intenção formal do poder institucional, de impor, na aparência dos números da economia, de enterrar de vez do imaginário coletivo brasileiro, os elementos que garantiriam a força da Nação e a capacidade decisória da sociedade (primazia do público sobre o privado; retomada da soberania nacional; democracia participativa, para além da suposta democracia do consumo, via endividamento individual).

Uma vez mais, a dominação burguesa sobre a economia e a ideologia, oculta tanto a realidade dos fatos, quanto os conflitos vividos pela classe trabalhadora, nos ambientes onde esta interage: trabalho, caso, convívio social.

Desemprego estrutural, professores e funcionários públicos em greve, estudantes em levante, são alguns exemplos de que a aparência encobre a verdadeira situação de conflitos vividos no País, no continente e no mundo.

Até quando? Até sermos capazes, enquanto classe, de dar unidade aos levantes, de retomar o debate popular sobre os grandes processos que vivemos – como a campanha contra os agrotóxicos – e de reconstruir o projeto popular para o Brasil.




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