sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Comissão aprova projeto para fortalecer revitalização do rio São Francisco

Prioridade para recuperação do Velho Chico

Criado em 2004, o Programa de Revitalização da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco tem sido insuficiente para reverter a degradação ambiental do "Velho Chico".

Diante dessa constatação, a Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo (CDR) aprovou nesta quarta-feira (1º) um projeto de lei que estabelece normas gerais sobre a gestão dos recursos hídricos, sobre a recuperação das áreas protegidas e sobre a sustentabilidade do programa de revitalização.

Apresentado pela senadora Lídice da Mata (PSB-BA), o Projeto de Lei do Senado (PLS) 86/2015 trata de princípios, objetivos e prioridades no processo de recuperação do rio. O estabelecimento de metas de volume útil para os reservatórios de água da bacia do rio, a construção de cisternas para captação da água da chuva e a fiscalização de crimes ambientais ao longo da extensão do rio estão entre os temas do projeto.

Lídice também quer a integração entre os órgãos ambientais que cuidam do rio e a destinação de recursos específicos para projetos de recuperação. Na visão da senadora, a criação de uma lei que estabeleça normas gerais para a revitalização da bacia hidrográfica do rio São Francisco pode “contribuir significativamente para aperfeiçoar a coordenação das iniciativas de revitalização, nos níveis federal, estadual e municipal, e, com isso, lograr melhores resultados”.

— Resolvemos propor que as normas que hoje compõem o programa de revitalização se transformem em lei porque elas não saem do papel há muitos anos. Com um roteiro claro, podemos impor ao governo a sua execução — disse a senadora.

O projeto recebeu o apoio do relator, senador Humberto Costa (PT-PE), que é líder de seu partido no Senado. Ele afirma que as ações de revitalização do rio São Francisco têm apresentado resultado aquém do esperado e que os recursos empregados apresentam níveis de execução orçamentária abaixo dos inicialmente previstos.

De acordo com dados do sistema Siga Brasil, dos R$ 286,2 milhões autorizados para o programa de saneamento básico de responsabilidade da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) no exercício de 2014, somente R$ 75 milhões foram executados.

— Segundo o Ministério da Integração, o programa passou a limitar a revitalização aos locais onde há obras de transposição do rio São Francisco, havendo necessidade de execução de obras de preservação de nascentes, replantio da mata ciliar, obras de saneamento básico em cidades ribeirinhas e ações para contenção de erosões em toda a extensão do rio — observou o senador.

Outros senadores também concordaram que regulamentar a revitalização da bacia hidrográfica do rio São Francisco em lei específica pode ajudar a garantir a oferta e a qualidade da água do "Velho Chico". Garibaldi Alves (PMDB-RN), Elmano Férrer (PTB-PI) e Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE) elogiaram a iniciativa de Lídice da Mata:

— Nós precisamos cuidar melhor dos nossos rios, proteger as nossas nascentes, reflorestar nas nossas matas ciliares para que a gente possa afastar as possibilidades de vivenciarmos no futuro a crise que estamos enfrentando hoje no São Francisco — disse Bezerra.

O projeto, que foi pautado na CDR pelo presidente do colegiado, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), segue para análise da Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA), onde passará por votação final.

Fonte: Agência Senado

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Ouvidor Agrário distorce a realidade e ataca movimento camponês


Por Comitê de apoio ao jornal A Nova Democracia 10/06/2013 às 01:06
Artigo publicado no jornal A Nova Democracia nº 111 (1ª quinzena de junho de 2013). 

Mário Lúcio de Paula 

Em carta dirigida a Josep Iborra Plans, membro da coordenação da Comissão Pastoral da Terra, o Desembargador Gercino José da Silva Filho, Ouvidor Agrário Nacional, melhor dizendo, ouvidor do latifúndio, mais uma vez, fez ataques ao movimento camponês e teceu provocações contra aqueles que defendem a luta pela terra. Em tom de ameaça, ele alega que "as mobilizações dos movimentos sociais rurais, que demandam providências do poder público para o acesso de trabalhadores rurais sem-terras ao Plano Nacional de Reforma Agrária, devem ser feitas dentro da legalidade e respeito ao Estado Democrático de Direito, sob pena de os seus infratores incidirem na sanção prevista no artigo 2º, parágrafo 7º, da Lei 8.629/93, onde se encontra consignado que "Será excluído do Programa de Reforma Agrária do Governo Federal quem (...) for efetivamente identificado como participante direto ou indireto em conflito fundiário que se caracterize por invasão ou esbulho de imóvel rural de domínio público ou privado em fase de processo administrativo de vistoria ou avaliação para fins de reforma agrária". E prossegue desfilando um rosário de acusações contra o movimento camponês como "atos de ameaça, sequestro ou manutenção de servidores públicos e outros cidadãos em cárcere privado, ou de quaisquer outros atos de violência real ou pessoal". 

Essa carta, a que o Ouvidor Agrário dá o status de "notificação", segundo ele mesmo foi fundamentada em "informação prestada pelo comandante do 7º Batalhão da Polícia Militar de Ariquemes, tenente-coronel Ênedy Dias de Araújo", figura de proa do velho Estado no combate ao movimento camponês em Rondônia, que repetidas vezes já acusou, sem quaisquer provas, os movimentos de luta pela terra de "guerrilha", "formação de quadrilha", etc.. 

Gercino prossegue atacando o movimento camponês acusando-o de "'invasão' com emprego de violência; 'invasão' em áreas de florestas; comercialização de lotes nos projetos de assentamento do Incra e nas áreas ocupadas por trabalhadores rurais sem-terras; 'demarcação' imediata das propriedades 'invadidas'; 'invasão' de áreas de reserva ambiental; utilização dos 'invasores' de terras, por terceiros, para auferir vantagens; empresários financiando 'invasões'; desvio de cestas de alimentos do Programa Fome Zero por ocupantes de imóveis rurais; criminalidade no entorno das áreas 'invadidas'; conflitos nos acampamentos entre os trabalhadores rurais sem-terras; posse e porte de armas de fogo e munições nos acampamentos. O desembargador ainda pretende "notificar" a CPT de que o movimento camponês deve realizar "suas mobilizações de acordo com a legislação agrária, não podendo haver, portanto, matança de gado, uso de capuz, colocação de pessoas na condição de reféns, roubo de animais, cárcere privado, uso de armas de fogo, 'invasão' de áreas de reserva, 'invasão' de áreas de florestas primárias, venda de madeira, venda de lotes e demarcação por conta própria". 

Brandindo o código penal, ameaça com os rigores da lei caso "os fatos supramencionados se apliquem a trabalhadores rurais sem-terras vinculados à CPT". E arrogante, como de costume, pretende dar orientações ao movimento camponês "em busca da efetivação do programa de reforma agrária". 


QUEM SÃO OS CULPADOS PELA VIOLÊNCIA NO CAMPO? 


Em carta datada de 27 de maio, Josep Iborra Plans respondeu a "notificação" do Ouvidor Agrário Nacional. Seguem trechos dessa resposta: 

"Venho lhe manifestar que não é missão da CPT RO "liderar" trabalhadores rurais sem terra, nem existem grupos deles vinculados a CPT, toda vez que esta pastoral se limita apenas a assessorar e acompanhar os referidos grupos, que detém total autonomia e independência dos seus atos na conquista legítima da terra, com objetivo de cumprimento da função social da mesma exigida pela Constituição Brasileira. 

É neste sentido que, comunicando o sentimento expressado por diversos membros desta entidade, entendemos como causas de violência no campo de Rondônia: 

- A existência da prática de pistolagem, intimidações, ameaças à vida, roubos e destruição de bens por parte de empregados de latifúndios (queimas de casas, destruição de lavouras, expulsões e despejos). 

- O fato de existir liminares de reintegração de posse, decisões e sentenças judiciais parciais, com lentidão exasperante quando atingem os poderosos e céleres quando atingem trabalhadores rurais, que não respeitam os direitos de posse dos pequenos agricultores, e reconhecem o daqueles que jamais moraram ou trabalharam no local; com reintegrações de posse que inclusive tratam de invasores agricultores assentados pelo programa de reforma agrária do INCRA. Sendo que em 2012 houve registro em Rondônia de 459 famílias de agricultores despejadas em mercê de ordens judiciais de reintegração de posse. 

- O fato de existir diferentes tratamentos das polícias militar e civil, MP e justiça criminal, em relação às ilegalidades existentes, onde pequenos agricultores e seus apoiadores são condenados com todo o rigor da lei (29 deles presos em 2012 em Rondônia), e o mesmo rigor não é aplicado aos atos de violência praticados tanto por empregados dos latifundiários, como aqueles onde foram acusados representantes da lei. 

- A maior parte das mortes por motivo agrário continuam sem esclarecer, restando indefesos os ameaçados e na impunidade tanto os autores como os mandantes, inclusive existindo em algum caso, policiais sendo suspeitos dos mesmos. Durante 2012 não houve em Rondônia nenhum julgamento de crimes agrários dos quais foram vítimas os trabalhadores rurais, sendo que apenas um dos supostos autores destas mortes está preso atualmente. 

- A defesa da reforma agrária encontra-se submetida a controvérsias legais de competência infindáveis entre INCRA, Terra Legal, AGU e outros organismos públicos, que provoca não poucas vezes em perda de prazo legal para recursos, resultando em falta de expropriações e arrecadação de terras destinadas à reforma agrária, falta de defesa e prejuízo aos legítimos interesses dos demandantes da reforma agrária, posseiros, assentados e pequenos agricultores, com os piores índices em 2012 de assentamentos realizados nas últimas décadas. 

- Existem situações acobertadas de irregularidades denunciadas pelos trabalhadores, na regularização dos lotes dos assentamentos, nas invasões e vendas de lotes em áreas de assentamentos, assim como na apuração de crimes acontecidos prejudicando os mesmos pequenos agricultores assentados. 

- Sendo enfim que é difícil para os pequenos agricultores, sejam posseiros, assentados ou sem terra, alcançar a devida defesa jurídica, inclusive da Defensoria Pública, que não dispõe de meios efetivos para cumprir sua missão, advogando de forma confiável pelos seus interesses. 

- Sendo que o conjunto de situações acima descritas e outras nos oferecem dúvidas razoáveis de que muitas vezes seja para os pequenos agricultores inexistente o verdadeiro Estado de Direito, não restando para eles outra alternativa para suas necessidades de terra e condições de vida digna, do que as ocupações da mesma, a desobediência civil e a objeção de consciência diante da legal "desordem estabelecida" contra eles e em favor dos poderosos. 

- Sendo que a situação econômica, com a redução dos empregos na região, parece que a tendência atual é a aumentar novamente a demanda pela Reforma Agrária e as ocupações de terra para fins de Reforma Agrária, resulta que inclusive os pequenos agricultores recolhem a impressão que esta Ouvidoria Agrária Nacional e o governo brasileiro, orienta-se mais para a repressão dos pequenos agricultores sem terra do que a defesa dos seus legítimos direitos constitucionais." 

domingo, 17 de fevereiro de 2013

MPT-MA pede R$ 37,8 milhões em Ação Civil contra a Vale por danos coletivos aos seus trabalhadores


SEXTA-FEIRA, 15 DE FEVEREIRO DE 2013


O MPT-MA investiga a Vale desde 2007 e já instaurou seis inquéritos civis; a indenização deverá ser revertida em projetos sociais e/ou ao FAT.


Divulgação/MPT-MA 14/02/2013 21h23 - Atualizado em 15/02/2013 06h07

SÃO LUÍS - Por conta de violações às normas de meio ambiente e segurança do trabalho, o Ministério Público do Trabalho no Maranhão (MPT-MA) ingressou com uma Ação Civil Pública (ACP) contra a mineradora Vale, na 7ª Vara do Trabalho de São Luís. A indenização solicitada por dano moral coletivo chega a 37,8 milhões de reais – valor recorde na história da justiça trabalhista maranhense.

O MPT-MA investiga a Vale desde 2007 e já instaurou seis inquéritos civis para apurar várias denúncias de irregularidades e acidentes de trabalho, que resultaram na morte de cinco funcionários (Nilton Freitas Nascimento, Lusivan Pires Ribeiro, Clemente Rodrigues Neto, Ronilson da Silva e Hécules Nogueira da Cruz Silva).

Na Ação, protocolada no final do ano passado, os procuradores Anya Gadelha, Maurel Selares e Christiane Nogueira recomendaram o cumprimento de 38 obrigações e sugeriram a aplicação de multa de 200 mil reais por medida desobedecida.

“A empresa vem, ao longo dos anos em que está instalada no Maranhão, desrespeitando normas elementares de segurança e saúde no trabalho, construindo cenários macabros de acidentes de trabalho fatais que chocaram a sociedade maranhense”, afirma Anya.

Segundo a procuradora, o valor elevado da indenização busca reparar toda a sociedade, punir a empresa e prevenir a prática de novas infrações. “As irregularidades apontadas nos vários autos de infração lavrados em desfavor da Ré são inadmissíveis para uma empresa do seu porte. Afinal, trata-se da segunda mineradora do mundo, que atua em 37 países e alcançou o lucro recorde em 2011 de R$ 37,814 bilhões”, lembrou ela.

Um dos piores episódios protagonizados pela Vale ocorreu em abril de 2010, quando sete trabalhadores que prestavam serviço no Píer III do terminal portuário da Ponta da Madeira, em São Luís, foram atingidos por uma calha do bandejamento do transportador de minério. Dois deles morreram e os outros cinco sofreram lesões.

Os 37,8 milhões de reais de indenização deverão ser revertidos em projetos sociais e/ou ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). “A reparação por dano moral coletivo adquire uma função social e política, que leva o julgador a fixá-la em montante que signifique uma punição exemplar ao infrator”, pontuou Anya.

Acidentes de trabalho
De acordo com o Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho do Ministério da Previdência Social, o Maranhão registrou um aumento no número de casos de acidentes laborais nos últimos anos. Em 2011 foram 6.252 acidentes de trabalho, contra 6.136 em 2010 e 5.957 em 2009.


Fonte: http://blogoutrosolhares.blogspot.com.br/2013/02/mpt-ma-pede-r-378-milhoes-em-acao-civil.html 

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

O fim dos direitos constitucionais dos povos Indígenas e Quilombolas no Rio Grande do Sul


A questão indígena voltou a ser destaque nos noticiários radiofônicos, televisivos e na mídia escrita no Rio Grande do Sul, depois que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, editou a Portaria 2.222 no dia 21 de setembro de 2012, que declara a terra indígena Mato Preto como sendo de ocupação tradicional do povo Guarani.
Desde 2007, a referida terra indígena vinha sendo objeto de estudos antropológicos, históricos, fundiários e ambientais, seguindo rigorosamente as determinações legais impostas pela Constituição Federal (Artigo 231), pelo Decreto 1775/1996 e pela Portaria 14/1996. Tais estudos se deram a partir de grupo técnico criado pela Fundação Nacional do Índio (Funai), que concluiu que a terra deveria ser demarcada com 4. 230 hectares.
Após a publicação do relatório da Funai, abriu-se prazo para o contraditório, previsto no Decreto 1.775/96, momento em que todos aqueles que se sentissem afetados ou discordassem das conclusões do GT poderiam se manifestar e levantar todos os questionamentos que considerassem pertinentes. As manifestações contrárias ao conteúdo do relatório foram submetidas à Funai e ao departamento jurídico do Ministério da Justiça.
Dada a lentidão do procedimento de demarcação da terra indígena Mato Preto, que já se arrastava por anos, e a extrema vulnerabilidade em que se encontra a comunidade indígena, o Ministério Público Federal exigiu, através do Judiciário, que o Poder Executivo se pronunciasse em relação a este procedimento demarcatório. O Ministério da Justiça viu-se então obrigado a reconhecer que de fato a área em questão é efetivamente de ocupação tradicional indígena e que os estudos realizados pela Funai foram coerentes e seguiram os trâmites estabelecidos pela legislação correspondente.
Durante o processo de contraditório, os ocupantes não indígenas alegaram que os indígenas não estavam vivendo sobre a terra reivindicada, ou seja, não a ocupavam, não usufruíam da área. O Ministério da Justiça esclareceu que isso se deu por conta da pressão e das perseguições realizadas contra os Guarani, sendo estes obrigados a abandonar as terras em decorrência de um violento e arbitrário processo de colonização e de ocupação da região.
Recuperando esses aspectos concernentes ao processo de demarcação da terra indígena Mato Preto, o Cimi Regional Sul quer demonstrar a inconsistência e o teor ideológico de certos posicionamentos e manifestações públicas de autoridades, de políticos e procuradores contrários tanto às conclusões dos estudos de identificação e delimitação da referida terra indígena, quanto à publicação da Portaria 2.222/2012 que declara a área como sendo efetivamente indígena. Os argumentos contrários à demarcação da terra indígena tem sido veiculados na mídia impressa e eletrônica, por alguns políticos, e com particular veemência por um procurador do Estado do Rio Grande do Sul. Visto que todas as alegações contrárias à demarcação foram apresentadas a seu tempo e declaradas sem efeito jurídico no decorrer do procedimento administrativo realizado pelo Ministério da Justiça e sob acompanhamento do Ministério Público Federal, deduz-se que tais manifestações possuem um evidente viés político e tem servido para insuflar a população regional contra os Guarani e contra outros povos indígenas. Vale ressaltar que alguns argumentos veiculados recentemente possuem um forte apelo racista, o que agride preceitos constitucionais e gera um clima de insegurança e de violência contra aquelas pequenas comunidade Guarani, que vivem há décadas à margem de rodovias, submetidas a uma condição de absoluta vulnerabilidade.
A campanha contra os direitos indígenas no Rio Grande do Sul é cruel. O mesmo se pode dizer com relação às comunidades Quilombolas, igualmente atacadas por aqueles que defendem exclusivamente setores econômicos que visam à exploração da terra. Indígenas e quilombolas são tratados como categorias residuais, ou como pessoas descartáveis, que não se enquadrariam no atual modelo de “desenvolvimento”. Visto que a lógica que move esse modelo é a da produção em larga escala e a do consumismo, estas pessoas e seus estilos de vida não parecem adequados, por isso eles são vistos como entraves, como obstáculos que deveriam ser removidos do suposto caminho linear rumo ao desenvolvimento. Obviamente que os Guarani não são os “bons consumidores” desejados no sistema capitalista, não são ávidos, não levam uma vida a crédito, não são capturados pelos apelos de consumo imediato de tudo o que o mercado pode oferecer. Eles também não são produtores ajustados ao agronegócio, não se organizam para explorar a terra até seu último recurso, não visam acumular e ampliar a margem de lucros, não são empreendedores em um mundo no qual poucos tem lugar e pouquíssimos se beneficiam.
Dentro dessa lógica, aos Guarani e a outros povos indígenas restam as políticas assistenciais, as bolsas e as ações paliativas, as mesmas que, aliás, são reservadas aos pobres e excluídos desse sistema tão seletivo e cruel. Exigir os direitos sobre as terras tradicionais soa absurdo nas coordenadas desse modelo unilateral. Contudo, é preciso lembrar que, conforme a Constituição Federal, as estruturas do Estado devem estar a serviço da população como um todo e não apenas de setores que historicamente gozaram de privilégios e agora se debatem para mantê-los.
O Projeto de Emenda à Constituição Federal de número 215, uma bandeira dos parlamentares ruralistas e dos governos aliciados por este segmento da política nacional, propõe que o Congresso Nacional passe a decidir sobre a demarcação de terras indígenas ou quilombolas, retirando esta atribuição do Poder Executivo. Tal proposta, considerada inconstitucional por vários juristas e por membros do Ministério Público Federal, está imbuída do princípio de que indígenas e quilombolas são obstáculos, emperram o desenvolvimento locar, regional, nacional, com suas demandas, suas lutas por justiça, por terra, por respeito.
Movida pela mesma lógica – a da improdutividade da vida indígena e quilombola – a Assembleia Legislativa criou uma Comissão Especial para discutir a situação das áreas destas comunidades no Rio Grande do Sul. O Cimi Regional Sul faz essa referência porque a tal Comissão organizou um relatório que propõe que a terras tradicionais indígenas e quilombolas sejam substituídas por terras a serem adquiridas pelo Estado, liberando-se assim áreas vistas como estratégicas, que seriam “desperdiçadas” se estivessem nas mãos destes povos. O referido relatório também afirma que os principais problemas indígenas e quilombolas têm origem na falta de assistência, que é responsabilidade da Funai e do Incra, deslocando o foco do problema principal que é efetivamente a negação do direito às terras tradicionais.
Assim, no tocante aos procedimentos de demarcação de terras, o relatório propõe que o governo se submeta as 19 condicionantes estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do processo que decidiu pela demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol e, ao mesmo tempo, sugere que o governo do Estado e os parlamentares se empenhem no sentido de aprovar da PEC 215. A Comissão não leva em consideração que, em dois julgamentos recentes, ministros do STF já se posicionaram decidindo que as condicionantes valem apenas para o caso específico da terra indígena Raposa Serra do Sol.
Os encaminhamentos propostos pela Comissão Especial da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul não possuem força decisória, no entanto fomentam a oposição aos direitos indígenas e quilombolas. Ao que parece a referida Comissão quer, em sintonia e em articulação com os discursos de políticos, autoridades e analistas econômicos dos meios de comunicação vinculados ao agronegócio e a retórica desenvolvimentista, exercer pressão política. Pretende com isso, desencadear uma intensa campanha tendo em vista limitar o alcance dos direitos constitucionais destes povos e comunidades tradicionais e consequentemente impor uma nova ordem jurídica no que tange a posse, ocupação e usufruto das terras reivindicadas por indígenas e quilombolas.
Os povos indígenas, por sua vez, têm se mantido firmes na reivindicação do cumprimento dos preceitos constitucionais. Um dos mais importantes preceitos determina que as terras deveriam ter sido demarcadas em até cinco anos após a promulgação da Constituição Federal de 1988 (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT Art. 67). Por que políticos, autoridades e alguns procuradores não se ocupam em assegurar a consecução desse direito, ao invés de buscar formas de negligenciá-lo?
Chapecó, 16 de outubro de 2012.
Conselho Indigenista Missionário Regional Sul

http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&conteudo_id=6562&action=read

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Tome ciência, não transgênicos


O jogo da ciência é simples; Faça de um jeito aqui, faça de outro ali e assim voce consegue conhecer a diferença entre um jeito e outro.
Na semana passada foi publicado um artigo no periódico científico Food and Chemical Toxicology onde um grupo de ratos foi alimentado com uma dieta com 11% de milho geneticamente modificado R-tolerant NK603 (Monsanto Corp.), com e sem Roundup. Foi também testado um tratamento somente com Roundup, na dose de 1ppb na água (equivalente a uma gota em 100 caixas de água de 1000 l).
Após 2 anos, houve desequilíbrios hormonais associados a maior freqüência de câncer. 76% dos problemas encontrados foram associados a problemas renais. Os machos apresentaram 4 vezes mais tumores e as fêmeas apresentaram maior freqüência de tumores mamários e também mais precocemente que a população de ratos controle, alimentada sem transgênicos e sem herbicida.
O artigo tem repercutido bastante entre tomadores de decisão. Na França considera-se o banimento de produtos transgênicos e nos Estados Unidos, espera-se que esta pesquisa, entre as primeiras a serem publicadas sem subsídios da Monsanto, estimule os eleitores a votarem muito menos que o banimento, pela simples identificação dos produtos transgênicos. No próximo dia 06 a Califórnia votará a proposição 37, que possibilitará inclusive que pesquisadores e profissionais entusiastas destes produtos tenham uma dieta exclusivamente baseada neles.
Li as críticas ao artigo e elas não parecem fazer sentido. Não há problema algum em ter um grupo controle comparado aos três tratamentos. Nem tampouco há problema algum em usar a raça de ratos Sprague-Dawley, com tendência a desenvolver tumores, porque afinal o controle, obviamente empregou a mesma raça, para não falar no fato que o estudo que a própria Monsanto apresentou para autorização do produto empregou também esta mesma raça.
Este estudo ao menos clama pelo princípio da precaução. Não há como prever como novas moléculas, processos ou substâncias irão agir em nosso organismo ou no ambiente. Por isso, é melhor errar por excesso de zelo. O primeiro trabalho publicado pelo meu orientador, Prof Otto Solbrig, que ajudou a criar a biologia de populações de plantas como a conhecemos, era sobre as vantagens dos inseticidas organoclorados. Nos anos 40 só enxergávamos até o ponto em que aquele produto permitia uma agricultura sem insetos. Só muito depois enxergamos os problemas associados.
Demorou até que um pesquisador, independente dos interesses de quem vende transgênicos, testassse o efeito destes produtos por um período mais alongado, mostrando seus efeitos crônicos. Como voce pode ver, a simplória visão de ciência lá do início não é suficiente para um mundo onde gigantescos interesses determinam o que, quando e como seus produtos serão testados.

Efraim Rodrigues, Ph.D. (efraim@efraim.com.br) é Doutor pela Universidade de Harvard, Professor Associado de Recursos Naturais da Universidade Estadual de Londrina, consultor do programa FODEPAL da FAO-ONU, autor dos livros Biologia da Conservação e Histórias Impublicáveis sobre trabalhos acadêmicos e seus autores. Também ajuda escolas do Vale do Paraíba-SP, Brasília-DF, Curitiba e Londrina-PR a transformar lixo de cozinha em adubo orgânico e a coletar água da chuva. É professor visitante da UFPR, PUC-PR, UNEB - Paulo Afonso e Duke - EUA
http://ambienteporinteiro-efraim.blogspot.com 

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Estudo crítico das ameaças do novo Código Florestal para o campesinato marcam o início da semana de formação de lideranças do MPA regional nordeste


Gabriel Troilo
Especialmente para a pagina do MPA
 No dia 10 de setembro segunda-feira iniciou-se a escola de formação política do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) regional nordeste, onde cerca de cinquenta lideranças camponesas de diversas localidades estiveram reunidas no centro de formação Paulo Freire, nas redondezas de Caruaru (Pe).
 O primeiro dia contou com um espaço de estudo e debate sobre as consequências da  desregulamentação do Código Florestal para o campo brasileiro e as relações deste processo com o avanço do capital internacional sobre os territórios naturais dos países latino-americanos. Com o objetivo de garantir o avanço na apreensão crítica das relações de poder envolvidas no desmonte do código o método utilizado para o espaço propôs um movimento de compreensão tanto dos fatos políticos imediatos como também dos processos conjunturais relacionados. Assim, para o debate inicial foi feita uma análise das modificações propostas pelo congresso que representam um grave retrocesso para a política ambiental, e, partir destes pontos, foram lançadas provocações para que o debate se direcionasse para além do que se mostra na aparência como desastre ambiental, chegando às relações de forças políticas que expõe o embate de classes na sociedade brasileira  e o aparelhamento do estado pelas elites ruralistas.   
 Qualificando o diálogo com a identificação do próprio código florestal como uma forma de regulação das relações entre sociedade e natureza, nos retratamos aos fundamentos da economia politica para reafirmar a centralidade do trabalho e do desenvolvimento das forças produtivas sociais no avanço da sociedade industrialista/consumista moderna. A reflexão se voltou para o modo como a natureza é isolada do homem, sendo tratada de forma utilitária, como estoque de recursos a serem transformados em riquezas. A natureza como objeto da ação humana aliada à exploração do trabalho e o conceito de falha metabólica entre cidade e campo foram temas que abriram o debate sobre os prejuízos desta forma de organização social. As contradições logo desveladas em relação à forma de contestação social moderna mais abrangente na atualidade, o movimento ambientalista, mostraram como a visão de natureza isolada remete à formas de resistência em preservar o meio ambiente também isolado em seu aspecto físico, sem levar em conta a presença humana. A ecologia em sua feição pós-moderna foi entendida no âmbito ideológico como apropriação do capital e atuação em pautas estratégicas: a construção de previsões cataclísmicas em relação à integridade do meio ambiente a nível global, a utilização desta justificativa para responsabilizar toda a sociedade pelos prejuízos ambientais gerados por um grupo de países hegemônicos; a difusão do ideal de desenvolvimento sustentável a partir dos meios educativos com a narrativa central de que a ação do individuo é que pode resolver os problemas que a sociedade enfrenta; a utilização de publicidade ambiental em mercadorias para escamotear a ação destrutiva das empresas; a defesa da pauta ambientalista dentro de territórios para criação de reservas ecológicas a serem geridas (exploradas) pelo capital privado, etc. Enfim, as feições mercantis do ambientalismo que acabam utilizando o discurso ecológico para criar falsas soluções para os problemas ambientais e deixar o capital privado livre para avançar sobre os recursos e externalizar os prejuízos da produção sobre o meio ambiente e a sociedade.
Estas questões levaram o grupo a compreender como a criação de novos mercados pautados nas propostas de sustentabilidade, como o “mercado de carbono” e de “pagamentos por serviços ambientais” no bojo da “economia verde”, tem ganhado espaço a partir da flexibilização de legislações ambientais. No caso brasileiro a partir da reconfiguração do código florestal, que, além de autorizar o agronegócio a avançar sobre os territórios, está a abrir brechas na lei para a regulamentação de uma forma nefasta de mercado, onde os serviços e produtos gerados pela natureza, considerados bens comuns, são financeirizados e transformados em mercadorias negociáveis. O grande capital passará a lucrar com a proteção do meio ambiente enquanto fica livre para continuar lucrando com sua destruição, e a sociedade como um todo irá pagar a conta das compensações na forma de pagamento por serviços ambientais. Neste meio o pequeno agricultor acaba levando os maiores prejuízos por conta do aumento da operosidade do agronegócio e de uma legislação ambiental que protege os latifundiários e é rígida com a agricultura familiar.
É fundamental para as lideranças e militantes do MPA compreender estes processos: a maneira como se movimenta a empresa capitalista no campo, sua articulação com manobras no aparelho do estado e com a ação do capital financeiro internacional. A identificação clara das feições que o império toma para adentrar os territórios, a partir de estratégias ligadas à proteção do meio ambiente, e a forma como as elites agrárias brasileiras tem utilizado estas estratégias para intensificar a opressão de classe sobre o campesinato. Sendo as ameaças ainda mais sérias para o nordeste e o semiárido como um todo, onde a destruição das áreas de proteção dos rios temporários pode consentir em graves prejuízos para o povo do campo e abrir maior espaço para a entrada do agronegócio explorar os territórios.
O espaço de formação demonstrou ser bastante produtivo, e, apesar da complexidade dos temas trabalhados, o grupo como um todo demonstrou um bom aproveitamento deste estudo que se faz necessário aos processos de organização e luta nos diversos territórios.
Caruaru, 10 de setembro de 2012
                                                          

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Como o diabo gosta e os ruralistas adoram


Nada adianta setores da esquerda proclamarem que os ruralistas perderam algo
 Roberto Malvezzi (Gogó)*
30/05/2012
 Os ruralistas plantaram na sociedade brasileira não um bode, nem apenas um jumento, sequer um hipopótamo: plantaram a monocultura mental do setor no coração da nação. Fizeram uma guerra e ganharam. Venceram todos, inclusive o governo que finge ter resgatado algo de digno no vilipendiado Código Florestal. Enfim, plantaram um ruralista na encruzilhada à meia noite. 
A ameaça de 50 emendas é apenas demonstração de força, prepotência total, que esse setor da sociedade acumula desde os tempos dos coronéis e jagunços, mentalidade que jamais abandonaram.
Não vão pagar as dívidas. Os morros vão estar entregues às enchentes, erosões e catástrofes humanas. Os apicuns continuarão sendo palco das fazendas de camarão. Reduzirão a pó as Reservas Legais e as Áreas de Preservação Permanente. O que mais uma cabeça ruralista poderia querer?
Mas, por que esperávamos algo diferente? Concentram em suas mãos a terra e os grandes volumes de água. Representam 40% das exportações brasileiras. Podem utilizar trabalho escravo em suas fazendas. Semeiam anualmente  5,2 litros de veneno na mesa de cada brasileiro. Tem uma bancada no Congresso proporcional à acumulação de terras.
Nada adianta setores da esquerda proclamarem que os ruralistas perderam algo, ainda que sejam os anéis. Saem fortalecidos, nessa ditadura da oligarquia rural imposta ao resto da nação.
Quem achava que a terra não é mais poder no Brasil, seria bom refazer suas análises.

*Roberto Malvezzi (Gogó) é assessor da Comissão Pastoral da Terra.