quarta-feira, 21 de setembro de 2011

“A balas tentam calar a voz dos excluídos da terra e da vida"


Tania Pacheco
Vai terminar o 7 de setembro da Independência às margens do Ipiranga, salve, salve. Faz tempo o casal global – “normal” ou substituto, n’importa – já deu seu boa noite, após o coquetel de pretensas notícias displicente mas eficientemente arrumadas para os olhos e ouvidos da chamada classe média. A novela das oito/nove terminou. Na sobremesa, futebol, com direito a abertura com hino legendado. Amanhã será outro dia normal. Para a maioria, mas não para todos.
De Senhor do Bonfim, Bahia, a notícia que evidentemente não esteve entre as selecionadas pelo casal global continuava a repicar na internet, levada a novos grupos e com outras palavras. No texto e já a partir do título, que me permito utilizar acima, a revolta partilhada de Maria Aparecida de Jesus Silva:
Na noite de ontem, por volta das 21h, Leonardo de Jesus foi tirado de casa e brutalmente assassinado em Monte Santo/BA. Aos 37 anos, deixando 2 filhos.
Ele só queria ver a terra repartida! O direito de trabalhar e viver na terra com dignidade. Porém, o latifúndio, a impunidade e a omissão do Estado fizeram mais uma vítima… Do ano passado até ontem, já foram 5 assassinatos de camponeses em Monte Santo; destes, 3 jovens.
O sangue de Leo e de tantos outros mártires ecoa da terra, junto ao grito de tantos(as) excluídos(as) neste 7 de setembro de luto.
É hora de se solidarizar a família de Leo e também denunciar este atentado à vida do povo! Chega de impunidade!!!
A mensagem de Maria Aparecida me chega repassada por um amigo da CPT, que aparentemente dela ainda não tinha conhecimento. Seu comentário foi bem mais curto:
“merda de pátria! nem madrasta é!
até quando, brasil?”
“Até quando…?” havia sido exatamente parte da minha resposta a Juliana Barros, horas mais cedo, após receber e postar a informação neste blog. E eu terminara com um “vamos adiante”, que levara a um comentário por parte dela:
Terrível, Tania, é a 2a perda nossa nessa semana, somada a tantas outras… mortes matadas e mortes morridas que de tão presentes nos roubam os sentidos do adiante… mas seguimos, do jeito e na luta que escolhemos…
Ruben Siqueira encerrara seu curto comentário com uma assinatura que às vezes também uso, mas que, no seu caso, dificilmente não antecede seu nome: “na luta”.
Faço uma rápida busca no Google: às 8:30 do dia 8, exceto pela notícia de ontem deste Blog, Monte Santo está presente associada a um outro assassinato, noticiado há quase exatos nove meses, no dia 7 de janeiro de 2011. Mais um trabalhador rural é assassinado em área de Fundo de Pasto*, diz a manchete sobre a morte de Antônio do Plínio. E continua:
O início de 2011 já ficou marcado por mais um ato de injustiça e atentado à vida, sobretudo das famílias que vivem no campo. A comunidade de Serra do Bode, município de Monte Santo (BA), vive hoje tristeza e revolta pelo assassinato do trabalhador rural Antônio do Plínio, como era conhecido. Antônio do Plínio se destacava como liderança no Movimento pela regularização fundiária na região, nas chamadas áreas de Fundo de Pasto.
Não há menção, sequer, a investigações posteriores, prisões ou julgamentos. Maria Aparecida citou cinco mortes em um ano; Juliana falou de duas em uma semana (provavelmente a outra “morrida”). As balas tentam calar; os meios de comunicação tentam invisibilizar; a justiça se mantém cega, surda e muda…
Exceto para as famílias, amigos e companheiros dos Leos, dos Plínios e de tantos outros e outras, o dia 8 chegou e, para a maioria, será um dia absolutamente normal.
Até quando?
Http://www.irpaa.org/noticias/245/mais-um-trabalhador-rural-e-assassinado-em-area-de-fundo-de-pasto
ou
Http://racismoambiental.net.br/2011/09/a-balas-tentam-calar-a-voz-dos-excluidos-da-terra-e-da-vida/

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Funeral de um lavrador

No dia 06.09.11, foi assassinado mais um lavrador na luta pela terra. Desta vez foi na Bahia... Paulo Cerioli narra seu funeral.



Eis o texto...

Por Paulo Cerioli
A placa improvisada na beira do asfalto que liga Monte Santo a Euclides da Cunha indica Mandassaia a mais ou menos dez quilômetros. Uma estrada de terra corta o sertão até chegar ao povoado. O povo está aguardando próximo a uma casa o inicio do enterro. Dentro, num caixão, está Leonardo de Jesus Leite. Companheiros e companheiras do movimento CETA, vindo de outros municípios, foram os que velaram o corpo, durante a madrugada.
São nove horas da manhã. O sol já se faz arder na pele. De repente o caixão é carregado para fora da casa e para em frente. O choro, já calado, aflora pelo irmão inerte. A procissão inicia. Como que combinado, uma nuvem esconde parcialmente o sol e uma leve brisa aparece. A dor está no ar, os gritos ecoam e o soluçar marca o ritmo dos passos.
Param novamente em frente de outra casa. Parece que nela está sua mãe. A esposa ainda está em choque. Um dos dois filhos, pois são gêmeos, agora com sete anos, se recusa a acompanhar, já que o pai não vai mais acordar. Alguns homens retirem as pessoas que choram e as levam para a casa. E a procissão reinicia silenciosa rumo ao fim do povoado.
Um silencio pesado, que fala de uma vida de luta que aos 37 anos foi ceifada por um tiro a mando do latifúndio. Alguns sussurram que foram três jagunços os que fizeram o serviço. E o silencio volta apenas quebrado pelos chinelos que levantam poeira da areia que existe naquele caminho do sertão, rumo ao cemitério.
Testemunha desta marcha fúnebre são as parcas roças de milho, a beira do caminho, onde as plantas estão queimadas pelo sol, que voltou a arder. Estas roças ressecadas são tristes testemunhas de que ali vivem lavradores e que, por falta de chuva, nem a semente será colhida e o cuzcuz provavelmente irá faltar na medida em que a fome irá nascendo.
O cantar de algumas mulheres, quebra o silêncio: “se a jornada é pesada ... segura na mão de Deus e vai”. Peso de uma vida sofrida, na esperança de ter um pedaço de chão. Como já não tem para quem apelar, se apegam em Deus, e continuam a marcha pela vida, pela conquista da terra partilhada da Fazenda Jibóia. O silêncio recomeça, cada vez mais triste. As poucas cabras que estão a beira do caminho, deixam de roer as cascas das árvores, para observar aqueles seres que passam.
O triste cantar recomeça: “lá vem Jesus cansado com o peso da cruz”: é um sofrido cansado que vem ao encontro de outro sofredor. Ali a morte ronda quem sonha com um pedaço de terra e uma vida orientada por um Projeto Popular. Já não há o que esperar das autoridades, nem de Monte Santo, local do quartel general dos militares que massacraram Canudos, anos atrás. Nem das autoridades da Bahia e muito menos das que estão em Brasília. E o silêncio volta a permitir que os últimos acontecimentos se tornem vivos na cabeça dos caminhantes.
De repente o passo se torna mais rápido. O cantar ecoa “estou pensando em Deus, estou pensando no amor”. Mas o canto é quebrado pelo “brado” de um jegue que olha admirado pela meia centena de motos estacionadas em frente ao muro branco do cemitério: até ele sente-se em desvantagem com as mudanças que estão chegando ao sertão. O que não muda é a existência de coronéis que se consideram donos da vida do povo, apoiados por seus jagunços, onde alguns usam ou já usaram farda, escuto num novo sussurro.
No portão do cemitério muitos batem os pés ou sacodem os chinelos. Não querem levar nenhuma poeira para aquela “terra santa”: ao entrar rezam uma Salve Rainha que se identifica com o “vale de lagrimas” já derramadas, mas que não serve para irrigar a seca do sertão. Depois rezam “Cordeiro de Deus que tirais o pecado do mundo, tende piedade dele” pedindo perdão pelo morto, por garantia, pois sabem que de sua vida e luta não há o porque pedir perdão.
Finalmente o caixão chega até a cova, sete palmos cavados na terra e na pedra, a base da picareta. Muitos olham para a cova e comentam sobre o esforço de quem cavou. O caixão é baixado na cova, com uma bandeira do CETA sobre ele, que o acompanhou em todo o trajeto. Fazem juras de que a luta, a vida de Léo não foi em vão. Depois cantam: “mataram mais um irmão ... mas ele ressuscitará” em cada um de nós, disse um sertanejo, disposto a não arredar o pé da luta. A bandeira do CETA é retirada, pois o Movimento Estadual dos Trabalhadores Assentados e Acampados continua vivo. Os torrões e pedras são novamente jogados na cova, cobrindo o corpo no caixão.
No retorno a prosa flui. Perguntam se sou estrangeiro, pois sou o mais galego entre todos e respondo que não. Contam-me que um dos filhos do Léo perguntou: “Agora quem vai fazer reunião?” Outro disse: a vida é assim e o Senhor disse, “cresceu e multiplicai-vos”, só não entendi se falava das pessoas ou do CETA, talvez de ambos. E já é quase meio-dia do dia 8 de setembro de 2011. E escuto, de um senhor quase pele e osso: este sol resseca tudo, até gente.
E, colocando terra e pedras sobre o sofrimento, a vida e a luta continua, até que não haja mais grileiros de terra publica apoiados por políticos que criam leis para legitimar o avanço do capital. Mas, esta é uma outra parte, desta mesma história.


Nota Pública: Violência e barbárie nos campos de Monte Santo/BA



 
“Tendes vivido regaladamente sobre a terra; tendes vivido nos prazeres; tendes engordado o vosso coração, em dia de matança; tendes condenado e matado o justo, sem que ele faça resistência” Tiago 5,6
O município do Monte Santo/BA vive tempos de violência e barbárie! Uma quadrilha de fazendeiros tem agido de forma organizada e paramilitar, subvertendo a ordem pública e democrática, disseminando o medo e o pânico entre a população rural.
 
 
O campo montesantense é historicamente marcado pelo coronelismo, pela grilagem de terras e pela impunidade. Para manter seus impérios e desmandos, estes “coronéis” ainda hoje, organizados em quadrilha, matam, ameaçam, perseguem, esbulham e corrompem sem qualquer punição.
 
 
Pelas ruas da cidade, fala-se na existência de uma “lista da morte”. Populares citam os nomes dos listados e anunciam as próximas vítimas. As regras são claramente postas: TODO AQUELE QUE OUSAR SE INSURGIR CONTRA A INJUSTIÇA DO LATIFUNDIO E DA GRILAGEM DE TERRAS NA REGIÃO PAGARÁ COM A VIDA.
 
 
Nos últimos 03 (três) anos, 05 (cinco) trabalhadores rurais foram brutalmente assassinados pelo mesmo motivo: a ousadia corajosa de lutar pela reforma agrária! Tiago, Luiz e Josimar, em 15/10/2008, por defenderem suas terras na comunidade do Mandú; Antônio do Plínio, em 06/01/2011, por defender o fundo de pasto da Serra do Bode. E na noite do dia 06/09/2011, foi a vez do companheiro LEONARDO DE JESUS LEITE, que há 11 (onze) anos lutava pela conquista da terra nas Fazendas Angico e Jibóia. 
 
 
A morte do companheiro Léo, mais do que uma vingança privada, foi um recado! As circunstâncias do crime revelam a clara intenção dos coronéis de se impor pelo poder das armas: Léo foi arrancado de dentro de casa e assassinado com um tiro na cabeça no pátio, na presença de sua esposa, em via pública, em meio ao povoado, às claras, às 21h. 
 
 
Não foi à toa que o crime ocorreu à véspera da festa da independência. Os “coronéis” precisavam deixar claro quem manda na região e a sua certeza da impunidade. Não respeitam e não temem nada, nem ninguém! Expuseram o vexame de uma pátria sem governo. 
 
 
Todos sabiam da sua morte antes mesmo dela acontecer! O nome de Léo estava na “lista da morte”. A quadrilha anunciou o derramamento de sangue. Léo foi ameaçado por diversas vezes e chegou a procurar a Delegacia de Polícia Civil para registrar a ocorrência e pedir proteção no mesmo dia em que sua vida foi ceifada, mas nenhuma providência foi adotada.
 
 
Esta barbárie tem estreita ligação com a omissão condescendente do Estado. Há muito que se denuncia que a alta concentração fundiária e a pobreza no campo são a origem da violência. No entanto, os poderes públicos nada fazem!
 
 
Palco de conflitos agrários, a malha fundiária montesantese é composta por de cerca de 80% de terras públicas devolutas pertencentes ao estado da Bahia. No entanto, a maior parte destas terras está concentrada ilegalmente nas mãos de um pequeno grupo de “coronéis”, que se vale do próprio Poder Judiciário para legitimar a grilagem histórica e conta também com o vasto aparato policial para a defesa de seus impérios.
 
 
Do outro lado, as comunidades tradicionais de fundo de pasto, posseiros e uma grande massa populacional de sem-terras subsistem num estado de miséria, que se revela pelos seguintes índices: IDH de 0,29 a 0,35; esperança de vida ao nascer entre 52 a 56 anos; coeficiente de mortalidade infantil entre 71 a 90 por mil nascidos; 81 a 90% da população com renda insuficiente e 41% de taxa de analfabetismo.
 
 
O INCRA, por sua vez, de 2008 até aqui, não implantou nenhum projeto de assentamento de reforma agrária no município, assim como não vistoriou nenhuma das grandes propriedades improdutivas locais.
Também a Coordenação de Desenvolvimento Agrário da Bahia (CDA), neste mesmo período, não regularizou nenhuma área de fundo de pasto, e concluiu apenas dois procedimentos discriminatórios de terras devolutas, sendo que em um deles o domínio do grileiro foi reconhecido e formalizado em desfavor dos trabalhadores. 
 
 
O Poder Judiciário, noutra senda, não registra nenhuma condenação aos autores dos crimes cometidos contra os/as trabalhadores/as rurais na comarca, mas a despeito disto busca incessantemente criminalizar os movimentos sociais de luta por terra, água e direitos. Até hoje, espera-se que se faça justiça aos homicídios de Romildo (assasinado em 2004), Tiago, Luiz, Josimar e Antônio do Plínio.
 
 
Neste palco, os poderes públicos são também protagonista da violência. A omissão em cumprir com o seu dever constitucional de promover a reforma agrária e a regularização fundiária assegura o poderio destes “coronéis”, da mesma sorte que a negligência do Judiciário, do Ministério Público e das Polícias Civil e Militar garantem a impunidade.
 
 
O clamor dos pobres subiu e chegou aos ouvidos de Deus clamando tão forte, pedindo justiça dos direitos seus para que PUNAM-SE OS CULPADOS, DESBARATEM A MALDITA QUADRILHA DE FAZENDEIROS DA MORTE, PREVINAM-SE A VIOLÊNCIA e REPAREM-SE AS PERDAS DOS COMPANHEIROS com a imediata desapropriação da Fazenda Jibóia e a instauração do Processo Discriminatório de Terras Públicas em todo o município.  
 
 
Comissão Pastoral da Terra – Bahia
Comissão Pastoral da Terra – Diocese de Bonfim
AATR – Associação dos Advogados de Trabalhadores Rurais da Bahia
Comissão Pastoral da Terra – Diocese de Juazeiro
Comissão Pastoral da Terra – Diocese de Ruy Barbosa
CETA – Movimento Estadual de Acampados e Assentados da Bahia

Monte Santo/BA, 07 de setembro de 2011
Fonte: Site da CPT Bahia

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Se o campo não planta a cidade não janta


Escrito por Hundira Cunha

Mil famílias ameaçadas de despejo por conta da morosidade do INCRA nos processos de Reforma Agrária.

É fato, agricultura camponesa não é prioridade no projeto desenvolvimentista do Estado. Na última quinta-feira, 1º de setembro, cerca de duzentas pessoas do Movimento Sem Terra (MST) marcharam pelas ruas da cidade de Macarani, no sudoeste do estado da Bahia, e partiram para uma vigília em frente ao Fórum Sílvio Benício reivindicando celeridade no processo de assentamento de cerca de mil famílias que resistem na terra há quatro anos.

O processo começou com a ocupação das fazendas Ingazeira e Iramar e posteriormente a Fazenda Alegria, todas no município de Maiquinique, de propriedade da família de Pedro Cangussu, e ambas em situação de improdutividade. “Quando chegamos lá o que tinha era moita de Juá e hoje (após a ocupação) existe a mandioca, hortaliças, feijão, milho, batata, galinha, porco”, ressalta Wilson Evangelista Guimarães do acampamento filho da Terra.

No ano de 2009, cerca de 150 famílias foram despejadas e sofreram violência de pistoleiros. Porém, três dias após o despejo, o movimento reocupou a área e atualmente mil famílias estão distribuídas ao longo de cerca de cinco mil hectares de terra, divididos em quatro acampamentos (Filhos da Terra, Treze de Abril, Fidel Castro e o Abril Vermelho). O MST chegou a requerer uma audiência pública para discutir a criminalização da questão agrária nos municípios de Macarani e Maiquinique e ainda a importância da agricultura camponesa para a região, tendo em vista que até a ocupação das terras da família Cangussu, o que predominava era a pecuária com grandes extensões de terra utilizada apenas para pasto.

O pedido de uma  audiência pública foi negado pela Ouvidoria Agrária do Estado, sendo  realizada no dia 1º de setembro uma audiência de conciliação que intenciona, na verdade, efetivar a reintegração de posse das terras da família Cangussu e a saída “pacífica” do MST.

O governo do estado costuma reforçar a propaganda das Grandes Empresas quando enaltecem os pífios empregos gerados a altos custos sociais e ambientais. Porém, neste momento mais de mil famílias encontram-se na eminência de serem despejadas, mais de 3000 pessoas será desempregada e desabrigada, uma área de cerca de cinco mil hectares voltará a ser improdutiva. Com isso, os municípios de Macarani e Maiquinique voltarão a importar alimentos de outras regiões, com o conseqüente aumento de preços.  Diante dessas ameaças, nota-se a total omissão do INCRA e do governo do Estado e, embora a reforma agrária não se encaixe na moldura dos ditames desenvolvimentistas, fica a certeza que se o campo não planta, a cidade não janta!!!


Fonte: http://www.cptba.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=673:se-o-campo-nao-planta-a-cidade-nao-janta&catid=8:noticias-recentes&Itemid=6