quarta-feira, 29 de junho de 2011

Novo Código Florestal terá impacto negativo no Semiárido

Segundo pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 53% das áreas de reserva legal desmatadas ilegalmente na Caatinga não serão recuperadas se o Projeto de Lei for aprovado 

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                                                                            Foto: Jesus Carlos/SertãoImagem

A proposta de alteração do Código Florestal brasileiro (Lei 4.771/65) provoca impactos diretos no processo de desertificação do solo, no aumento da temperatura e expõe ainda mais os pequenos agricultores familiares à condição de pobreza. Estas questões, indicadas pelo estudo “Código Florestal: implicações do PL 1876/99 nas áreas de reserva legal”, estabelecem uma relação direta e conflitante com a proposta de convivência com o Semiárido defendida pela Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA).

O estudo de 22 páginas, lançado semana passada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), é contundente ao dizer que “a redução de área protegida de vegetação nativa no Semiárido está em contradição com a Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação, da qual o Brasil é signatário”. O Ipea é uma fundação pública federal vinculada à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. O estudo vai servir de consulta ao Senado que está analisando o projeto de lei e irá submetê-lo à votação.

Pela proposta em análise, os biomas Caatinga e Cerrado, onde se localizam as regiões semiáridas, teriam 53% e 22% respectivamente do total de passivos ambientais anistiados. Isto quer dizer que mais da metade dos desmatamentos ilegais que ocorreram na Caatinga não teriam mais a obrigatoriedade de serem recuperados. No Cerrado, o perdão ambiental seria destinado a 1/5 da área já desmatada ilegalmente nas reservas legais.

De todos os seis biomas localizados no país – Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal – o bioma Caatinga seria o que teria um percentual maior de área não recuperada. Segundo o livro “Semiárido: uma visão holística”, de Roberto Malvezzi, “a Caatinga é o bioma que se confunde com praticamente toda a extensão do Semiárido.”

As reservas legais (LR) correspondem às áreas de proteção ambiental nas quais é permitido haver algum tipo de exploração econômica dos recursos naturais, desde que seja regida por critérios de sustentabilidade. Deste modo, as reservas legais beneficiam o pequeno agricultor familiar uma vez que o manejo da vegetação pode “apresentar rendimentos por área mais elevados do que a agropecuária convencional”, conforme destaca o estudo.
Nas considerações finais a pesquisa destaca: “Os resultados obtidos neste estudo indicam que a alteração proposta no PL 1876/99 para as áreas de RL impactarão significativamente sobre a área com vegetação natural existente nos biomas brasileiros e sobre os compromissos assumidos pelo Brasil para redução de emissões de carbono.” (Verônica Pragana – Asacom).

Fonte: http://www.sertaomelhor.com.br/index.php?option=com_content&view=category&layout=blog&id=37&Itemid=37

domingo, 12 de junho de 2011

Novo Código Florestal e violência na Amazônia: uma relação intrínseca. Entrevista especial com José Batista Gonçalves Afonso


No mesmo dia em que o novo Código Florestal foi aprovado na Câmara dos Deputados, no Pará – um dos estados mais violentos do país – um casal de extrativistas viu as ameaças que sofriam durante anos serem efetivadas. José Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo foram mortos por causa de sua batalha contra madeireiros ilegais e fazendeiros que avançam sem impedimento sobre as riquezas da Amazônia. A morte do casal teve tanta repercussão quanto a morte de Dorothy Stang há seis anos e teme-se que as mesmas medidas sejam tomadas pelo governo que não encara de frente as verdadeiras causas desse problema. “O pior de tudo é a ausência do Estado quando se faz necessária a presença dele. No caso específico, por exemplo, de José Cláudio e da Maria do Espírito Santo, o que eles mais reivindicavam era que o Incra e o Ibama cumprissem com seus papéis, no sentido de proteger os assentamentos”, apontou José Batista Gonçalves Afonso durante a entrevista que concedeu, por telefone, à IHU On-Line.

José Batista Gonçalves Afonso é advogado e membro da coordenação nacional da Comissão Pastoral da Terra – CPT. Também é um dos articuladores nacionais da Rede Nacional dos Advogados Populares – Renap e compõe a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (seção Pará).
Confira a entrevista.

IHU On-Line – A morte dos extrativistas [1] no mês passado, no Pará, teve a mesma repercussão que o assassinato da missionária Dorothy Stang?

José Batista Afonso – Tanto o caso da missionária Dorothy Stang quanto o caso do assassinato de José Cláudio Ribeiro e sua esposa, e do Adelino [2], assassinado em Rondônia, têm algumas características comuns: tratam-se de crimes cujos suspeitos são  madeireiros e grileiros de terra.
No caso da missionária Dorothy Stang, a repercussão nacional e internacional foi muito forte. O governo anunciou uma série de medidas de segurança para a cidade de Anapu [onde os crimes ocorreram] para poder regularizar e viabilizar os projetos de desenvolvimento sustentável. Passados seis anos do assassinato da missionária Dorothy Stang, nós ainda convivemos com esse problema. Os camponeses de lá ainda convivem com as mesmas ameaças.
Inclusive, no aniversário de seis anos da morte da missionária, foi preciso interditar a estrada de acesso aos Projetos de Desenvolvimento Sustentável – PDS para obrigar o Estado e o governo a implantar locais de fiscalização a fim de impedir o trânsito de caminhões de empresas que estavam extraindo ilegalmente madeiras dos assentamentos dos PDS. Para não enfrentar as causas geradoras dos problemas, o governo apresenta apenas medidas paliativas em razão da repercussão dos crimes, medidas que têm um efeito pontual, mas que não atingem as causas geradoras da violência.

IHU On-Line – Em uma palestra, o José Cláudio chegou a afirmar que no outro dia poderia aparecer morto em função de sua luta. Como é viver sob esse tipo de pressão?

José Batista Afonso – O pior de tudo é a ausência do Estado quando se faz necessária a presença dele. No caso específico, por exemplo, de José Cláudio e de Maria do Espírito Santo, o que eles mais reivindicavam era que o Incra e o Ibama cumprissem com seus papéis, no sentido de proteger o assentamento. No caso do Ibama, pediam que cumprissem a função de fiscalizar e impedir a retirada ilegal de madeira dentro da reserva. No caso do Incra, solicitavam que se fiscalizasse e monitorasse os assentamentos para que grileiros ou não clientes da reforma agrária pudessem expandir suas áreas de criação de gado para o interior do assentamento.
Infelizmente, nem o Incra, nem o Ibama e nem os outros órgãos públicos cumpriram com o seu papel. Os extrativistas tiveram que fazer o papel do Estado e enfrentar madeireiros, grileiros de terra, fotografar os caminhões carregados de madeira ilegal e fazer as denúncias. Ao fazerem isso sem a devida proteção, eles ficaram expostos à ação de pistoleiros, a mando desses setores que têm interesses na área do PDS. Então, se o Estado de fato fizesse a sua parte, se os órgãos públicos existentes cumprissem o seu papel, a situação de segurança e de tranquilidade seria melhor.

IHU On-Line – Como o Pará se tornou o estado mais violento do Brasil?

José Batista Afonso – O Pará está localizado nessa fronteira de expansão do agronegócio em direção à Amazônia. O monitoramento feito pela Comissão Pastoral da Terra – CPT sobre questões de conflito no campo tem mostrado que os índices maiores de violação dos direitos humanos estão concentrados nessa região. Os estados do Pará, Tocantins, Maranhão, Mato Grosso e Rondônia são os que registram maior incidência dos conflitos e de maior violação desses direitos no campo.
Isso é reflexo da ofensiva do agronegócio e do grande capital em direção à Amazônia que se apropria e explora cada vez mais das riquezas da floresta. É preciso que haja uma contenção dessa expansão. Para isso, são necessárias políticas afirmativas por parte do governo. É preciso demarcar as reservas indígenas; regularizar os territórios das comunidades remanescentes de quilombo; regularizar as terras das comunidades ribeirinhas, de pescadores, de posseiros; também é preciso agilizar a regularização e a implantação das reservas ambientais, as áreas de extrativismo e as reservas ecológicas.
Com isso, conseguiremos impor uma barreira nesse processo de expansão do agronegócio e de outras empresas em direção à Amazônia.

IHU On-Line – No mesmo dia o Brasil sofreu dois reveses em termos de meio ambiente: a aprovação no Congresso do texto do Código Florestal e o assassinato do casal de extrativistas no Pará. Como você analisa isso?

José Batista Afonso – Nos últimos anos, o setor ruralista tem aberto caminhos para a expansão em direção à Amazônia. Eles têm também conseguido, via Congresso, votar muitas leis que favoreçam o lucro do setor. Cito como exemplo a lei de concessão de florestas públicas, que é um incentivo para a expansão da atividade madeireira na Amazônia. A lei da regularização fundiária, chamada Programa Terra Legal, também beneficia o setor na medida em que regulariza terras griladas por madeireiros, por fazendeiros, em nome dos grileiros.
Portanto, no Brasil o crime compensa aqueles que grilaram e desmataram, pois eles vão ter suas terras, de uma forma ou de outra, regularizadas em seu nome. Todo o conjunto de mudanças e de alteração legal no Código Florestal tem um objetivo claro: promover a expansão do agronegócio em direção à Amazônia.

IHU On-Line – Em que medida o novo Código Florestal pode fazer com que a violência na região amazônica aumente?

José Batista Afonso – O Código faz parte de um conjunto de medidas que estão sendo adotadas pelo governo. Ele não está isolado. As principais obras do PAC servem de exemplo para analisarmos esse conjunto. Hidrovias, ferrovias, hidrelétricas, estradas, portos estão sendo implantados na Amazônia, formando um conjunto de políticas públicas que acabam impulsionando o agronegócio em direção às riquezas estratégicas existentes na região.
O Código também é um incentivo na medida em que flexibiliza a legislação ambiental e abre espaço não só para a expansão do agronegócio dos grãos, mas para a pecuária e outros. Entre as principais medidas que nos preocupam está a anistia aos infratores.

IHU On-Line – Em relação às obras do PAC na Amazônia, vários grupos indígenas são contra e estão se preparando para lutar até o fim. O que esperar desse conflito que está sendo organizado na região?

José Batista Afonso – Infelizmente, a mobilização de indígenas, de comunidades tradicionais e de posseiros não têm sido suficientes para barrar a implantação dessas grandes obras. O caso de Belo Monte é um exemplo típico: todos os questionamentos, todos os estudos feitos paralelamente e a pressão da comunidade indígena e das comunidades ribeirinhas não têm sido suficientes para barrar a construção dessa hidrelétrica. Apesar disso, o governo insiste e pressiona para iniciar as obras.
Nós entendemos que obras desse porte trazem muito mais prejuízo ao meio ambiente e para as comunidades tradicionais e indígenas do que benefícios para a sociedade brasileira. Na verdade, o que se busca é fornecer energia e viabilizar a implementação desses grandes empreendimentos na Amazônia, principalmente os empreendimentos voltados para exploração mineral, que se expandem de forma acelerada aqui na região.
Apenas no sudeste do Pará, há seis projetos ligados à mineração sendo implementados nesse momento. Esse setor demanda energia muito grande e, infelizmente, quase que subsidiada. Então, as obras do PAC respondem primeiro aos interesses de grandes setores econômicos e de grandes empresas ligadas ao grande capital, deixando de resolver o problema da falta de energia das populações ribeiras e das populações mais pobres da Amazônia.

IHU On-Line – Esse conjunto de obras do PAC na região, assim como todo o conceito desenvolvimentista por trás desses projetos, não poderia ser chamado de um segundo imperialismo?

José Batista Afonso – Não há dúvida de que o atual desenvolvimento em curso é um modelo que busca assegurar as riquezas, o controle e a exploração delas para o capital. Nós estamos assistindo a um verdadeiro saque no estado do Pará, em que são extraídas mais de 90 bilhões de toneladas de ferro por ano. E o destino desses recursos é a exportação. A exploração da riqueza não significa melhoria na qualidade de vida das populações locais. Significa uma oficina do capital nacional associado ao capital internacional para se apropriar dessas riquezas.
O lucro da Vale, por exemplo, que no último ano foi de 30 bilhões de reais, é acumulado principalmente por aqueles acionistas que, na maioria das vezes, nem moram no país. Por isso, é preciso repensar o atual modelo de desenvolvimento, pois ele não está voltado para o fortalecimento da agricultura familiar. Pelo contrário, está centrado na exploração da riqueza para controle de poucos.

IHU On-Line – Como o senhor vê os sinais que o governo deu de reação depois da morte dos extrativistas?

José Batista Afonso – O governo tem agido como um bombeiro: ele age em caráter emergencial adotando políticas que não atingem as causas dos problemas. O governo precisa combater de frente a questão da impunidade. Não podemos concordar que o estado do Pará possua apenas um mandante condenado por crime no campo a cumprir pena, quando temos mais de 800 assassinatos nas últimas décadas. A impunidade é uma das causas da violência.

IHU On-Line – Em relação à presença do Estado no Pará: o grande problema é a ausência ou a omissão do governo?

José Batista Afonso – O Estado não está ausente na Amazônia. Pelo contrário, ele está muito presente. Agora, esse Estado está presente mais para defender os interesses de um lado; ele busca garantir ou investir em interesses ligados a certos setores. Em relação a setores que estão ligados ao agronegócio, eu não vejo reclamação em função da presença do Estado. Os principais programas, por exemplo, do governo federal nos últimos anos têm beneficiado esse setor com o apoio à produção do etanol, do biodiesel. Além disso, não falta investimento dos bancos oficiais para o agronegócio. O Estado está, portanto, muito presente para implantar uma série de obras do PAC e para beneficiar setores ligados às empresas de mineração.

No entanto, sentimos a ausência de políticas de Estado quando é preciso potencializar e afirmar os direitos das populações tradicionais que residem na Amazônia. O Estado está ausente quando for para viabilizar a produção dos assentamentos; ou quando for para desapropriar e assentar as famílias que estão acampadas embaixo da lona preta; ou ainda quando for para proteger ou demarcar as reservas das populações tradicionais e indígenas.

Notas:
[1] Os extrativistas José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo foram mortos numa emboscada perto da casa onde morava, na cidade de Nova Ipixuna-PA. O casal não tinha proteção policial apesar de receber frequentes ameaças de morte por causa de sua batalha contra madeireiros ilegais e fazendeiros.
[2] Adelino Ramos, conhecido como Dinho, fazia parte da liderança do Movimento Camponês Corumbiara – MCC. Foi assassinado no último dia 27-05-2011, em Vista Alegre do Abunã, distrito de Porto Velho-RO.