Por Comitê de apoio ao jornal A Nova Democracia 10/06/2013 às 01:06
Artigo publicado no jornal A Nova Democracia nº 111 (1ª quinzena de junho de 2013).
Mário Lúcio de Paula
Em carta dirigida a Josep Iborra Plans, membro da coordenação da Comissão Pastoral da Terra, o Desembargador Gercino José da Silva Filho, Ouvidor Agrário Nacional, melhor dizendo, ouvidor do latifúndio, mais uma vez, fez ataques ao movimento camponês e teceu provocações contra aqueles que defendem a luta pela terra. Em tom de ameaça, ele alega que "as mobilizações dos movimentos sociais rurais, que demandam providências do poder público para o acesso de trabalhadores rurais sem-terras ao Plano Nacional de Reforma Agrária, devem ser feitas dentro da legalidade e respeito ao Estado Democrático de Direito, sob pena de os seus infratores incidirem na sanção prevista no artigo 2º, parágrafo 7º, da Lei 8.629/93, onde se encontra consignado que "Será excluído do Programa de Reforma Agrária do Governo Federal quem (...) for efetivamente identificado como participante direto ou indireto em conflito fundiário que se caracterize por invasão ou esbulho de imóvel rural de domínio público ou privado em fase de processo administrativo de vistoria ou avaliação para fins de reforma agrária". E prossegue desfilando um rosário de acusações contra o movimento camponês como "atos de ameaça, sequestro ou manutenção de servidores públicos e outros cidadãos em cárcere privado, ou de quaisquer outros atos de violência real ou pessoal".
Essa carta, a que o Ouvidor Agrário dá o status de "notificação", segundo ele mesmo foi fundamentada em "informação prestada pelo comandante do 7º Batalhão da Polícia Militar de Ariquemes, tenente-coronel Ênedy Dias de Araújo", figura de proa do velho Estado no combate ao movimento camponês em Rondônia, que repetidas vezes já acusou, sem quaisquer provas, os movimentos de luta pela terra de "guerrilha", "formação de quadrilha", etc..
Gercino prossegue atacando o movimento camponês acusando-o de "'invasão' com emprego de violência; 'invasão' em áreas de florestas; comercialização de lotes nos projetos de assentamento do Incra e nas áreas ocupadas por trabalhadores rurais sem-terras; 'demarcação' imediata das propriedades 'invadidas'; 'invasão' de áreas de reserva ambiental; utilização dos 'invasores' de terras, por terceiros, para auferir vantagens; empresários financiando 'invasões'; desvio de cestas de alimentos do Programa Fome Zero por ocupantes de imóveis rurais; criminalidade no entorno das áreas 'invadidas'; conflitos nos acampamentos entre os trabalhadores rurais sem-terras; posse e porte de armas de fogo e munições nos acampamentos. O desembargador ainda pretende "notificar" a CPT de que o movimento camponês deve realizar "suas mobilizações de acordo com a legislação agrária, não podendo haver, portanto, matança de gado, uso de capuz, colocação de pessoas na condição de reféns, roubo de animais, cárcere privado, uso de armas de fogo, 'invasão' de áreas de reserva, 'invasão' de áreas de florestas primárias, venda de madeira, venda de lotes e demarcação por conta própria".
Brandindo o código penal, ameaça com os rigores da lei caso "os fatos supramencionados se apliquem a trabalhadores rurais sem-terras vinculados à CPT". E arrogante, como de costume, pretende dar orientações ao movimento camponês "em busca da efetivação do programa de reforma agrária".
QUEM SÃO OS CULPADOS PELA VIOLÊNCIA NO CAMPO?
Em carta datada de 27 de maio, Josep Iborra Plans respondeu a "notificação" do Ouvidor Agrário Nacional. Seguem trechos dessa resposta:
"Venho lhe manifestar que não é missão da CPT RO "liderar" trabalhadores rurais sem terra, nem existem grupos deles vinculados a CPT, toda vez que esta pastoral se limita apenas a assessorar e acompanhar os referidos grupos, que detém total autonomia e independência dos seus atos na conquista legítima da terra, com objetivo de cumprimento da função social da mesma exigida pela Constituição Brasileira.
É neste sentido que, comunicando o sentimento expressado por diversos membros desta entidade, entendemos como causas de violência no campo de Rondônia:
- A existência da prática de pistolagem, intimidações, ameaças à vida, roubos e destruição de bens por parte de empregados de latifúndios (queimas de casas, destruição de lavouras, expulsões e despejos).
- O fato de existir liminares de reintegração de posse, decisões e sentenças judiciais parciais, com lentidão exasperante quando atingem os poderosos e céleres quando atingem trabalhadores rurais, que não respeitam os direitos de posse dos pequenos agricultores, e reconhecem o daqueles que jamais moraram ou trabalharam no local; com reintegrações de posse que inclusive tratam de invasores agricultores assentados pelo programa de reforma agrária do INCRA. Sendo que em 2012 houve registro em Rondônia de 459 famílias de agricultores despejadas em mercê de ordens judiciais de reintegração de posse.
- O fato de existir diferentes tratamentos das polícias militar e civil, MP e justiça criminal, em relação às ilegalidades existentes, onde pequenos agricultores e seus apoiadores são condenados com todo o rigor da lei (29 deles presos em 2012 em Rondônia), e o mesmo rigor não é aplicado aos atos de violência praticados tanto por empregados dos latifundiários, como aqueles onde foram acusados representantes da lei.
- A maior parte das mortes por motivo agrário continuam sem esclarecer, restando indefesos os ameaçados e na impunidade tanto os autores como os mandantes, inclusive existindo em algum caso, policiais sendo suspeitos dos mesmos. Durante 2012 não houve em Rondônia nenhum julgamento de crimes agrários dos quais foram vítimas os trabalhadores rurais, sendo que apenas um dos supostos autores destas mortes está preso atualmente.
- A defesa da reforma agrária encontra-se submetida a controvérsias legais de competência infindáveis entre INCRA, Terra Legal, AGU e outros organismos públicos, que provoca não poucas vezes em perda de prazo legal para recursos, resultando em falta de expropriações e arrecadação de terras destinadas à reforma agrária, falta de defesa e prejuízo aos legítimos interesses dos demandantes da reforma agrária, posseiros, assentados e pequenos agricultores, com os piores índices em 2012 de assentamentos realizados nas últimas décadas.
- Existem situações acobertadas de irregularidades denunciadas pelos trabalhadores, na regularização dos lotes dos assentamentos, nas invasões e vendas de lotes em áreas de assentamentos, assim como na apuração de crimes acontecidos prejudicando os mesmos pequenos agricultores assentados.
- Sendo enfim que é difícil para os pequenos agricultores, sejam posseiros, assentados ou sem terra, alcançar a devida defesa jurídica, inclusive da Defensoria Pública, que não dispõe de meios efetivos para cumprir sua missão, advogando de forma confiável pelos seus interesses.
- Sendo que o conjunto de situações acima descritas e outras nos oferecem dúvidas razoáveis de que muitas vezes seja para os pequenos agricultores inexistente o verdadeiro Estado de Direito, não restando para eles outra alternativa para suas necessidades de terra e condições de vida digna, do que as ocupações da mesma, a desobediência civil e a objeção de consciência diante da legal "desordem estabelecida" contra eles e em favor dos poderosos.
- Sendo que a situação econômica, com a redução dos empregos na região, parece que a tendência atual é a aumentar novamente a demanda pela Reforma Agrária e as ocupações de terra para fins de Reforma Agrária, resulta que inclusive os pequenos agricultores recolhem a impressão que esta Ouvidoria Agrária Nacional e o governo brasileiro, orienta-se mais para a repressão dos pequenos agricultores sem terra do que a defesa dos seus legítimos direitos constitucionais."